Os Jogos Olímpicos são oportunidade para que grupos organizados da sociedade civil cobrem por mudanças mais aceleradas na sociedade. Historicamente os Jogos têm um poder transformados considerável. Mas, quando falamos de suporte à comunidade LGBTI+, Tokyo 2020 ficará abaixo do esperado.
O resultado final da edição olímpica que está ocorrendo no país asiático em relação a comunidade LGBTI+ gera sentimentos distintos. O anúncio da Pride House, pela primeira vez com reconhecimento do Comitê Organizador dos Jogos e do Comitê Olímpico Internacional, somado ao número recorde de atletas assumidamente LGBTI+ participando da competição trazia uma perspectiva animadora. Mas, assim como tudo que envolveu Tokyo 2020, a pandemia acabou minando os planos de um resultado mais positivo.
O Japão é um país conservador e isso se reflete no que já chamamos de “olimpíada mais diversa da história”. Apesar do recorde de atletas LGBTI+ participando da Olimpíada, não há (ao menos abertamente) nenhum representante entre os atletas do país-sede.
Não que faltem esportistas que assumam sua identidade de gênero e/ou sexualidade no Japão. A jogadora de futebol Shiho Shimoyamada fez seu “outing” em 2019, já jogando na Alemanha, e confirmou que não teria a mesma coragem se ainda morasse no Japão. Na mesma linha, a jogadora de rugby Airi Murakami falou abertamente sobre o assunto em março deste ano e o jogador de futebol Kumi Yokoyama tonou público ser um homem transgênero no mês passado.
No Japão, não há suporte [legal] em que possamos acreditar que é absolutamente ok ser quem somos.
Shiho Shimoyamada, jogadora de futebol japonesa, fala sobre se sentir confortável para falar de sua sexualidade apenas quando mudou-se para a Alemanha.
O reconhecimento da Pride House Tokyo 2020 pelo Comitê Organizador dos Jogos e Comitê Olímpico Internacional aumentou as esperanças que não só a Olimpíada ajudaria a mudar a situação dos atletas japoneses LGBTI+, mas também da comunidade local.
Desde Vancouver 2010, a iniciativa de um centro de acolhimento para atletas, moradores e visitantes LGBTI+ durante os Jogos Olímpicos acontece, com exceção dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi (2014), quando o pedido da Pride House por um espaço presencial foi “explicitamente negado” pelos organizadores. O que não é surpresa em um país ultraconservador como a Rússia, onde existem até hoje relatos de campos de concentração para LGBTs.
Os planos para a versão desta edição eram ambiciosos. Falava-se até em converter o espaço em um centro permanente LGBTI+ pós-olimpíada, tornando-se assim o primeiro espaço físico dedicado a comunidade no Japão. Mas, assim como tudo ligado a Tokyo 2020, os planos foram alterados por conta da pandemia.
No auge da crise sanitária a Pride House Tokyo foi obrigada a mudar-se para o ambiente virtual, onde promoveu uma série de debates, em virtude da necessidade do isolamento social. Mesmo agora, durante os Jogos, apesar de liberada para funcionar, o espaço terá sua importância reduzida pelas restrições de circulação e aglomeração, já que a capital japonesa enfrenta o seu quarto estado de emergência.
Fizemos pesquisas online sobre jovens LGBTI+ japoneses e e descobrimos que quase 40% perderam a conexão com pessoas ou lugares onde podiam falar sobre sua sexualidade e diversidade de gênero durante a pandemia.
Gon Matsunaka, chefe da Pride House Tokyo, fala sobre o impacto da pandemia sobre a comunidade LGBTI+ japonesa e os planos para o espaço
Os Jogos Olímpico têm sido usado por grupos organizados da sociedade civil na busca por visibilidade se suas demandas. Uma delas no Japão é a pauta LGBTI+. Com os olhos do mundo voltados para o país, os s ativistas foram capazes de convencer que a aprovação da legislação de direitos LGBTI+ antes de Tókyo 2020 era necessária para gerar uma boa cobertura da mídia.
Aconteceram avanços, como a “lei de não discriminação” que foi aprovada na cidade-sede dos Jogos Olímpicos. O decreto foi defendido pela governadora de Tóquio Yuriko Koike, e o COI disse que todas as futuras cidades-sede devem adotar decretos semelhantes, caso ainda não o tenham feito.
Porém, os esforços em nível nacional foram atropelados pela pandemia. A sessão legislativa do parlamento japonês terminou sem aprovação de um projeto de lei de direitos LGBTI+. Aproveitando a urgência e atenção a temas ligados à pandemia, membros ultraconservadores supostamente bloquearam o projeto a portas fechadas. Um legislador disse que eles se opunham a essa lei porque LGBTs japoneses eram “moralmente inaceitáveis”.
O resultado é que a olimpíada que apresenta recorde de atletas LGBT acontecerá em um país onde a comunidade não tem legislação que a protege. Mesmo assim, ainda há um fio de esperança para que a situação avance um pouco.
Para isso, boa parte do resultado dependerá dos atletas, LGTBs ou aliados, de usarem o espaço e a visibilidade que ficará exclusivamente neles, com a ausência de público e dificuldade de manifestações na rua por conta da pandemia, para levantar essa bandeira.
Se os atletas olímpicos puderem expressar apoio ao movimento pela igualdade, isso será muito, muito útil para a comunidade LGBTI+ japonesa.
Kanae Doi, diretora da Human Rights Watch para o Japão, fala sobre a importância dos atletas se manifestarem em apoio à comunidade LGBTI+.
No Brasil, o espaço conquistado por Douglas Souza, ponteiro da seleção masculina de vôlei assumidamente gay, levantou o debate sobre esporte e pessoas LGBTI+. A confirmação de atletas LGBTI+ participando dos jogos, inclusive de pessoas trans, também ganhou destaque. Por isso, de certa forma, ainda há esperança que os Jogos Olímpicos Tokyo 2020 podem ser transformadores para comunidade LGBTI+ japonesa e no mundo.