O Supremo Tribunal Federal derrubou hoje (08/05) a norma que proibia a doação de sangue gay no Brasil. Apesar de em 2004 a restrição total ter sido flexibilizada, a regra de apenas gays que não tiveram relação com homens nos últimos 12 meses poderem doar na prática mantinha a proibição da doação de sangue gay. Hoje, com a decisão do STF, essa regra não poderá ser mais aplicada.
A decisão inclusive contaria a resposta do Ministério da Saúde, que recentemente afirmou que não mudaria a regra no país, mesmo com a queda nos estoques de sangue por conta do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. Para entender a importância da decisão e o que nos levou até a discussão do caso, é preciso relembrar o histórico a respeito. Na década de 80, por conta da pandemia da AIDS, começaram a ocorrer muitas contaminações durante transfusão de sangue. Na época se falava muito sobre grupos de risco, então homens gays foram impedidos de doar sangue pelo resto da vida no Brasil.
Com a observação que não há grupo de risco, mas sim comportamento de risco, começou a crescer a pressão para que essa regra fosse alterada, embora baseada em um manual de seleção de doadores da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 2004 o Brasil “flexibilizou a regra”, impondo que para ser doador era preciso não ter relação sexual com outro homem nos 12 meses anteriores a doação. O que obviamente foi uma maneira apenas fingir estar atendendo o pedido de mudança, já que na prática não só inviabilizava grande parte de gays serem doadores, como mantinha a discriminação em ser uma rega aplicada apenas a um grupo.
Com a OMS declarando que a regra é ultrapassada, apesar de oficialmente não ter modificado, os grupos de direitos LGBTQ+ avançaram em seu pleito para a derrubada da regra discriminatória. Foi então que uma ação junto ao STF questionou a regra. O início do mesmo aconteceu em 2017, até que o ministro Gilmar Mendes pediu vista, que na prática significa ganhar mais tempo para estudar a matéria. No último dia 01/05, finalmente o julgamento foi retomado com o voto de Gilmar Mendes, justamente o responsável por formar maioria a respeito do assunto. Porém o julgamento só foi finalizado hoje (08/05), quando todos os demais ministros proferiram seus votos. O placar final foi de 07 votos contra a manutenção da regra, dos 11 possíveis.
A orientação sexual e afetiva há de ser considerada como o exercício de uma liberdade fundamental, de livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, a qual deve ser protegida, livre de preconceito ou de qualquer outra forma de discriminação
Gilmar Mendes ao votar a favor da derrubada da proibição da doação de sangue gay
O que na prática muda agora, é que não poderá mais haver qualquer tipo de regra discriminatória quanto a sexualidade do doador de sangue. Ou seja, as regras de proibição deverão ser equivalentes a heterossexuais e gays, como, por exemplo, o fato de ter mais de três parceiros sexuais por ano ser um impeditivo.
Opositores a derrubada da norma alegam que a incidência de transmissão no sexo anal é maior, o que justificaria a aplicação da regra à homens gays (lembrando que a mesma não é aplicada à mulheres homossexuais). Contudo é importante ressaltar que de fato é o sexo desprotegido que aumenta essa incidência. O que torna proibir, por exemplo, um gay monogâmico que faz sexo protegido de doar sangue estatisticamente errado.
Todas as justificativas apresentadas como argumento para a não derrubada são preconceitos travestidos de bilogia.
Eliseu Neto sobre o debate para a doação de sangue gay
Eliseu Neto, ativista LGBTQ+ e coordenador nacional do Diversidade23, foi um dos articuladores da Ação no STF, que acabou sendo levada à suprema corte pelo PSB. Ao comemorar a decisão ele ressaltou que isso reafirma que não há grupo, mas sim comportamento de risco. Ele ainda disse a importância que todo sangue doado deve ser testado. A mesma lógica do ministro relator do caso, Edson Fachin
O estabelecimento de grupos – e não de condutas – de risco incorre em discriminação, pois lança mão de uma interpretação consequencialista desmedida que concebe especialmente que homens homossexuais são, apenas em razão da orientação sexual que vivenciam, possíveis vetores de transmissão de variadas enfermidades.
Edson Fachin durante seu voto sobre a proibição de doação de sangue gay
Questionado se o fato de mais uma vez uma conquista LGBTQ+ ter sido alcançada no judiciário e não no legislativo, Eliseu, que também é Coordenador da Aliança Nacional LGBT no Senado, afirmou que nesse caso, por se tratar de uma norma da Anvisa e não uma lei, o caminho era mesmo o Surpremo. Mas fez questão de lembrar que no legislativo essas questões encontram mais dificuldade por termos ali a nossa sociedade conservadora sendo representada.