Constantemente há o discurso que relaciona o uso da PrEP e o aumento de outras ISTs. Isso seria “justificado” pelo fato dos usuários de PrEP transarem mais e sem camisinha. Mas existe mesmo essa relação ou só achismo?
Recentemente uma pesquisa revelou que a compulsão sexual diminui entre os usuários de PrEP pesquisados na Holanda. Em grupos do facebook, porém, houve comentários que os números estariam errados, por um achismo que quem usa PrEP o faz para poder transar mais e não para se proteger do HIV. Também existiram comentários relacionando a PrEP e o aumento de outras ISTs. Mas isso é verdade?
Médico Infectologista e coordenador do SEAP HIV, (ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP), Rico Vasconcelos escreveu em sua coluna de saúde no site UOL sobre o assunto no fim do ano passado.
O primeiro argumento (e um dos mais importantes) do Dr. Rico, que participa de importantes estudos brasileiros de PrEP, é que os casos de sífilis, gonorreia e clamídia já estavam crescendo há décadas, antes mesmo do início da aplicação da profilaxia. Confirmando a análise dos médicos holandeses que o acompanhamento dos usuários de PrEP pode estar causando a reeducação sexual, Rico destaca ainda que este acompanhamento facilita o diagnóstico e tratamentos precoce da ISTs.
Márcio Rolim, do canal Bee40tona, fez recentemente um vídeo a respeito do assunto. Entre outras questões levantadas, lembra que a PrEP traz um protocolo que vai muito além de tomar o medicamento, com exames, tratamento, consultas periódicas e reeducação da saúde sexual. Confira abaixo:
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Sobre estudos que “comprovariam” a relação entre PrEP e o aumento de outras ISTs, o Dr. Rico Vasconcelos lembra que uma variável importante que deve ser considerada ao analisar os números frios é o alto índice de testagem nessa população. A frequência de testagens é maior do que os não usuários e precisa ser levada em consideração. Ou seja, os números podem apenas demonstrar que as pessoas desse grupo estão apenas sendo mais diagnosticadas e não infectadas.
Citando que apenas em 2019 houve um estudo que analisou de forma mais detalhada, levando em consideração a mudança na frequência de testagem, a incidência de ISTs em usuários de PrEP, Rico destaca que apenas os casos de clamídia tiveram um aumento (de apenas 1,1 vezes), sendo que a incidência de gonorreia e sífilis permaneceu igual.
Ela ainda levanta um outro questionamento importante. A PrEP pode inclusive ajudar a controlar a epidemia das ISTs. Segundo outro trabalho com modelagem matemática, conforme mais pessoas em uma comunidade iniciem a PrEP e entrem na rotina de testagens e tratamento das ISTs, em 10 anos é esperada uma queda de mais de 40% nos casos de gonorreia e clamídia em toda a comunidade, mesmo que ocorra redução na frequência do uso de preservativo.
Por falar neste assunto, segundo Rico, um estudo de 2018 mostrou que a desinibição sexual que levaria ao não uso de camisinha está presente apenas em alguns subgrupos de usuários da PrEP, que já utilizavam de maneira inconsistente. O médico ressalta que mesmo entre esses, a PrEP é válida já que os protege da infecção pelo HIV.
Se para reduzir em todo o mundo os quase 2 milhões de novos casos de HIV e 1 milhão de mortes por AIDS anuais, o preço for tratar algumas infecções por clamídia a mais, considero que vale muito a pena.
Dr. Rico Vasconcelos, médico infectologista, em seu blog no UOL
Por fim, a recomendação do Dr. Rico Vasconcelos é “usar a camisinha o máximo que conseguir, mas sabendo que se não está sendo em 100% das suas relações, principalmente nas casuais, você pode se beneficiar do uso da PrEP”.