Hoje (17/05) é Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia. Para marcar a data, este ano propusemos um debate sobre o turismo LGBT. Devemos ou não viajar para destinos homofóbicos?

Segundo dados da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais do final de 2020, a homossexualidade ainda é crime em 69 países do mundo. Alguns desses destinos são desejo de muitos viajantes, mas o medo pode ser um fator decisivo na hora de abrir mão em realizar o sonho de conhecer algum lugar.

Para Felipe Abílio, os viajantes LGBTs sempre acabam analisando mais o destino preocupados com a segurança. “Não acho pouco pagar e ainda correr o risco de ser mal tratado”, explica. Isso acaba nos desencorajando a conhecer lugares que temos interesse.

Tenho muita vontade de conhecer algumas partes da Rússia, mas a forma como a legislação trata a comunidade LGBTI+ me afasta totalmente desses destinos.

Felipe Abilio fala sobre temor de viajar para destinos com legislação que não protege a comunidade LGBT local.

Especialistas indicam então ficar atento a legislação local. Alguns rankings usam esse critério para apontar quais seriam os destinos seguros para a comunidade.

Mas, na prática, viajantes afirmam que apenas isso não é garantia. Para Gabi e Fabia, do Estrangeira Viagens, é preciso ficar atento também aos países que se vendem como LGBT e não são. Elas inclusive citam uma experiência própria, quando conheceram Malta, para explicar:

Malta tem uma legislação que garante direitos, inclusive está no primeiro lugar do ranking europeu de melhores lugares para LGBTs. Mas você chega lá e não tem nada. A dona do único bar queer da capital nos contou que é tudo “pra inglês ver”, só porque tem uns cruzeiros gays que atracam numa época do ano. Aí fizeram essa política, mas os LGBTs de Malta sofrem muito preconceito lá dentro.

Gabi e Fabia, do Estrangeira Viagens, alertam para a “propaganda enganosa” de destinos que se intitulam LGBT.

E uma experiência negativa transforma uma viagem tão desejada. Foi o que aconteceu com elas quando foram juntas para o Egito: “Foi nossa primeira viagem juntas. Era um destino dos sonhos e foi constrangedor. Não aconteceu nada, mas a tensão estragou tudo”.

O trauma foi tão grande que elas, mesmo morando em Barcelona durante um tempo, abriram mão de conhecer o Marrocos. “Não fomos porque sabíamos que seria parecido”, explicaram.

Um episódio de preconceito pode ser fatal na hora de indicar o destino para amigos ou até mesmo de planejar um retorno. Claro que dependem muito do que ocorreu, mas é fato que em casos de insegurança ou violência o destino será riscado de planejamentos futuros ou indicações.

“Depende muito do contexto, mas daria uma segunda chance caso eu perceba o bom senso de não repetir o erro. Somos humanos, todos estamos passíveis ao erro. O começo de tudo é assumir e mudar”, explica Abílio. Mas ele faz questão de ressaltar que isso é em casos leves e que jamais voltaria em casos de agressão.

Rafael Leick, do ViajaBi, compartilha da mesma opinião. “Se é alguma coisa de uma empresa, só troco de fornecedor, não faz sentido descartar o destino todo. Mas se tivesse sido uma situação perigosa, nas ruas, eu talvez considerasse”, explicou.

Ele inclusive lembra de um caso que aconteceu em uma viagem ao Peru, quando a agência não teve problema algum com sua sexualidade, mas o guia fez uma piada homofóbica. Aliás situações como essa são aparentemente menos agressivas, mas nem por isso deixam de causar desconforto no viajante LGBT.

É então fácil entender que turistas LGBT evitem países que não protegem a comunidade local. Mas e como fica quando o desejo de conhecer aquele lugar é maior?

Para Rafael, apesar da preferência em visitar destinos que investem na comunidade LGBTI+, ter turistas visitando o país pode, de alguma forma, incentivar a comunidade local que começa a ter representatividade e “treinar” informalmente o trade local. Ele destaca ainda que a ideia de promover o boicote turístico como forma de pressionar governos pode ser efetivo, mas só se for uma ação ampla com toda comunidade LGBTI+ e dos aliados.

Ser um gay viajando já é um ato político e de representatividade. Não estou aqui fazendo campanha pra você ir ao Afeganistão com uma bandeira do arco-íris fazer beijaço na porta dos templos religiosos. Mas considere novamente aquele destino que você gostaria de conhecer, mas tinha tirado da sua lista por conta das notícias contra gays por lá. Se não for um lugar extremista, pode ser uma boa oportunidade de trilhar um caminho mais tranquilo para os gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros de amanhã.

Rafael Leick fala sobre como viajar para destinos não LGBTs pode fortalecer a comunidade local

Mas, assim como Rafa, Gabi e Fabia ressaltam que a segurança deve vir em primeiro lugar: “A gente pensa muito nisso. Se a gente for e andar de mãos dadas, as pessoas verão a gente e talvez isso ajude na normalização. As pessoas precisam ver que a gente existe, mas vou botar a minha vida em risco por isso?”. Elas explicam que até mesmo em São Paulo não estão se sentido seguras para fazer isso.

A conclusão, se é que é possível dizer que chegamos a alguma, é que a individualidade é fundamental na hora de decidir se devemos viajar ou não para destinos homofóbicos. Mas, é fato que é preciso discutirmos o assunto e quem sabe até propor de forma ampla um boicote financeiro como forma de pressão.

Em 2019, um boicote a rede de hotéis The Dorchester levou o sultão de Brunei, Hassanal Bolkiah, voltar atrás de uma lei que permitia o apedrejamento de homossexuais. O caso foi isolado, mas pode ser o início de um movimento mais amplo.

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