Os assassinatos de trans no Brasil em um ano foi o segundo maior da série histórica em 2020 (175). O fato ocorre em um ano em que o mundo enfrentou a pandemia da Covid-19, mostrando que a violência contra esta população continuou sendo uma realidade.

Tradicionalmente em 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans, a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA) divulga o Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra pessoas Trans no Brasil.

Desde 2008, quando o levantamento ainda era feito pelo Grupo Gay da Bahia (seguiu assim até 2016), o Brasil já registrou 1.593 assassinatos de trans. Em 2020 foram registrados 175 assassinatos, mantendo nosso país na liderança do ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, conforme dados internacionais da ONG Transgender Europe. Em 2020 uma pessoa trans foi assassinada a cada 48 horas no Brasil. Este foi o segundo ano com maior número de registros, perdendo apenas para 2017, com 179 registros.

Apesar de São Paulo liderar pelo segundo ano consecutivo como o estado com maior registro de assassinatos de pessoas trans (29 casos em 2020 e 21 casos em 2019), a região nordeste é onde ocorrem o maior número de assassinatos no país desde 2017.

Para a ANTRA a não diminuição dos números de assassinatos de trans mesmo em meio a uma pandemia revela um cenário onde os fatores sociais se intensificam e impactam deste grupo, especialmente as travestis e mulheres transexuais trabalhadoras sexuais que seguem exercendo seu trabalho nas ruas para ter garantida sua subsistência. Prova disso é que 71% dos assassinatos este ano aconteceram em espaços públicos e 72% dos assassinatos foram direcionados contra travestis e mulheres transexuais profissionais do sexo.

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A transfobia fica escancarada quando nota-se que 72% dos suspeitos identificados pelos assassinatos de trans no Brasil não tinham relação direta, não conheciam ou tiveram qualquer contato anterior com a vítima.

O levantamento ainda chama a atenção para alguns recortes. Primeiro a questão do assassinato precoce: A mais jovem trans assassinada no Brasil em 2020 tinha 15 anos e a maioria das vítimas (56%) tinha entre 15 e 29 anos. A expectativa de vida a população trans é de 35 anos.

Quanto falamos de identidade racial, 78% eram travestis/mulheres trans negras – pretas e pardas (de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial). Por fim, a questão do gênero é outro recorte que impressiona: todas as vítimas eram pessoas que expressavam o gênero feminino, sendo reconhecidas publicamente enquanto travestis ou mulheres trans. Isso aumenta a estatística do aumento da violência contra a mulher durante a pandemia.

A maior parte dos assassinatos foram com arma de fogo (47%), seguido por estrangulamento/espancamento (24%) e facada (21%). É importante destacar que 2020 registrou percentualmente o maior número de causa da morte por espancamento e apedrejamento de toda série histórica. Assusta ainda que 77% dos casos os assassinatos foram apresentados com requintes de crueldade, como o uso excessivo de violência e a associação com mais de um método e outras formas brutais de violência.

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É importante destacar ainda que, mesmo alarmantes, os dados dos assassinatos de trans no Brasil não refletem exatamente a realidade devido à subnotificação. Um dos fatores é o não acolhimento dessa população, fazendo com que a denúncia formal muitas vezes acaba se tornando um novo ato de violência.

Ainda, precisamos ressaltar que não há dados estatísticos governamentais sobre a violência sofrida pela população LGBTI+ (o que só amplia a importância do levantamento da ANTRA). Em 2020, pela primeira vez desde que passou a ser publicado, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (publicado em 19/10/2020) trouxe dados sobre violência contra a população LGBTI+, porém 15 estados e o DF não têm qualquer informação sobre violências motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero. Ainda dos 11 que apresentaram o levantamento, nenhum traz dados sobre assassinatos.

O levantamento anual de assassinatos de trans no Brasil é feito através de pesquisa dos casos em matérias de jornais e mídias vinculadas na internet, de forma manual, individual e diária. Há, ainda, aqueles casos em que nenhuma mídia cobre e, por conta disso, também são usadas fontes complementares, como instituições LGBTI+ que publicam informações sobre pessoas assassinadas e/ou informações que chegam através da rede de afiliadas da ANTRA e parceiros.

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