Todos nós sabemos da importância da prática de atividade física na formação de uma criança. Até por isso, por muito tempo a aula da Educação Física era obrigatória nas escolas. Mas o que era para ser saudável acabou sendo motivo de bullying na aula de Educação Física e gerou trauma em muitas crianças gay.
Existia quase que a obrigatoriedade de meninos jogarem futebol na aula de Educação Física. Mesmo em alguns outros esportes coletivos, quando existia essa opção, nem toda criança se sentia incluída. E a falta de habilidade de professores em lidar com esse tipo de situação gerou trauma em muitos gays, que levou até em alguns casos ao distanciamento durante longo tempo de qualquer atividade física.
Eu tinha medo que a Educação Física revelasse algo sobre mim. Medo que a bola ao tocar em mim revelasse que eu era gay.
Marcio Rolim, produtor de conteúdo do canal Bee40tona
Sem entender muito sobre sua sexualidade, as crianças já eram obrigadas a lidar com situações de bullying na aula de Educação Física. Lucas Mappa lembra que em seu colégio militar o esporte era importante. Mas não se sentia incluído na hora da Educação Física. Sem saber jogar bem, não era escolhido pelos colegas de turma para o time: “Eu ficava sem saber pra onde ia”.
A mesma sensação de “não pertencimento” também aconteceu com Marcio Rolim. Para piorar, ele revela em um vídeo feito para seu canal que o professor ao perceber isso o colocava no time. A situação chegou a tal ponto que ele convenceu sua mãe a ir ao colégio reclamar com o professor que aquilo não era certo. “Ela foi no colégio brigar e disse que o professor tinha que dar aula de ginástica e não apenas colocar os meninos pra jogar bola e ficar olhando”, lembra Márcio.
Mas, apesar da boa intenção de sua mãe, a situação só piorou para ele. O professor então passou ginástica apenas para eles, que fazia no ginásio sozinho em um horário em que um dos turnos da escola estava no recreio.
Passeis dois anos sendo extremamente humilhado. Eu fazia os exercícios sozinho com uma multidão me assistindo. Voltava pra casa chorando. Foi pior do que tentar jogar futebol.
Márcio Rolim fala sobre humilhação na escola
Obviamente o trauma gerado pelo bullying na aula de Educação Física, tanto em Márcio quanto em Lucas, acabou se refletindo em boa parte da sua vida, assim como em outras crianças que passaram por situações parecidas. Márcio revela que só voltou a praticar qualquer atividade física depois dos 30 anos, quando entrou para a academia. Já Lucas acabou redescobrindo o prazer de jogar futebol anos depois, quando entrou para o time Bharbixas, formado exclusivamente por gays.
Toda criança tem prazer em brincar em grupo, em estar incluído. O bullying acabou me afastando dos esportes.
Lucas Mappa fala sobre como o bullying repercutiu ainda um tempo em sua vida
Os times de futebol gay formado nos últimos anos em diversas cidades do Brasil ajudaram Lucas e muitos outros a voltarem a ter prazer no esporte e se sentir incluído. Lucas lembra que no Bharbixas sempre se sentiu acolhido: “Tudo bem se eu errasse, ninguém reclamava que eu era ruim”.
Isso o motivou a ir treinando cada vez mais e ao viajar pro Rio para assistir seu time jogar a primeira edição da Ligay teve a certeza que queria se dedicar aos treinos técnicos (até então participava apenas dos recreativos) para se desenvolver no esporte.
Quando assisti a Ligay senti algo diferente. Eu nunca tinha chorado por um time de futebol. Naquele dia eu decidi que ia treinar mais para poder entrar em campo.
Lucas Mappa fala sobre a importância da Ligay em redescobrir o prazer no futebol
Os dois casos citados nessa matéria são apenas exemplos de uma agonia que muitas crianças passaram no período escolar. A inabilidade de muitos professores em saber lidar com esse tipo de situação gerou trauma em muitas crianças que acabaram se afastado do esporte.
Hoje a aula da Educação Física não é mais obrigatória. Mas isso não é a solução do problema, pelo contrário. O certo é investir na saúde física das crianças e até mesmo usar o esporte coletivo como forma de inclusão. Mas, para isso é preciso dar preparo aos profissionais para que saibam como atuar quando detectarem situações de exclusões, que podem acontecer por diversos motivos, desde a sexualidade até a forma física da criança.
É um trauma. Eu estava na quinta série, os meninos me odiavam e eu odiava eles, eles não me queriam perto e eu queria ficar longe deles, tinha uma professora de educação física que era muito fofa e que teve a sensibilidade de me deixar fazer aula com as meninas que eram minhas amigas. Fui o único menino da escola inteira que fazia aula com as meninas e a diretoria não pôde fazer nada. Isso era 1990, eu tive sorte por acaso mas até hoje parece que nenhuma fucking escola está preparada ou não tem a mínima intenção de se preparar pra tratar essa questão de frente pra causar menos sofrimento pras crianças gays afeminadas. Isso é muito triste e revoltante.
Isso acontece muito. Mas pode ser evitado devido a conduta e postura do professor. Sou professor de educação física e não permito nenhum tipo bullying nas minhas aulas. Quando há um caso, resolvemos com diálogo e se for necessário as famílias são convocadas. E outra, professor de educação física que ministra conteúdos diversificados em suas aulas, geralmente, não tem problemas com os famosos “esportes de meninos” e “esportes de meninas”. E uma correção: no vídeo fala que as aulas de educação física não são mais obrigatórias, mas elas são sim! Esta no art. 26 da Lei n. 9394/96. Há algumas exceções citadas no artigo, porém, aos demais, as aulas são obrigatórias sim!
Obrigado por responder de do forma tão coerente. Sou prof também.
Eu já tive problemas em sala de aula por causa da minha sexualidade, sofri muito bullying, perseguição, chegando ao ponto de entrar em depressão, com apenas 14 anos. Não queria mais sair na rua, ficava recluso no meu quarto com aquela dor interminável e terrível que eu não podia dividir com ninguém. Chegou um ponto que eu não consegui ir mais pra escola, não conseguia sair na rua, eu não conseguia mais, era muito sofrido e doloroso enfrentar aquilo todo dia, então desisti de estudar, e minha mãe conseguiu vaga em outra cidade. Tive que sair da minha cidade por isso. O bullying é muito dolorido, e deixa marcas pra sempre, até hoje carrego essa carga, resquícios do bullying.
Eu simplesmente tinha pavor e ódio dessa atividade na escola. Sentia-me completamente deslocado e ao mesmo tempo pressionado pelo Professor x a entrar no jogo de futebol com os meninos. Ele sabia do meu pavor e fazia de propósito: me incluía no time para eu ser xingado pelos garotos. Ele se deleitava com aquilo. No momento em que, afeminadamente, corria atrás da bola a garotava gritava “bicha, bicha louca” e eu saia aos prantos da quadra enquanto aquela desgraça que se dizia professor gargalhava. Nunca me esqueci daquele semblante satânico. Ele insuflava os alunos a me hostilizar até que um dia, eu brincando com flores no jardim da escola, fui acossado por três meninos que mostraram os pintos duros e me obrigaram a chupar sob pena de apanhar. Depois sairam espalhando pra todo mundo o ocorrido. Minha vida era um inferno pois não podia dividir com ninguém. Esse professor morreu de cirrose e eu fiz questão de ir no velório rir da cara dele. Deliciei-me com o sofrimento da família dele. Mesmo assim, ainda sinto dor e ódio pela minha infância escolar.